domingo, 30 de setembro de 2012

Quero ser âncora

Tão entediante quanto um quadrado, às vezes a rotina sufoca. A gente reclama, mas no fundo acha legal essa história de dia cronometrado e cheio de tarefa, é bom o gostinho de dizer: nossa, como estou cansado! Queremos ser ocupados, nem que seja com alguma futilidade. Até se cansar de não fazer nada se tornou um cansaço produtivo. Olhando pro mar vejo que ele tem tudo a ver com isso, pelo menos em partes.

Previsível que só ele, enche e vaza todo dia, tudo bem que a hora muda, mas é só uma questão de tempo. Aí vem a parte mais humana do mar (...) traiçoeiro, sabe fingir calmaria e surpreender com maresia forte. Encantador, te leva pro fundo em dois tempos e você vai, crente que está metido ali só até a cintura. Hmmm, o mar tem cada vez mais a ver com tudo isso (...) Muitos apreciadores, quantas fotos e momentos felizes, mas ainda misterioso. Pra onde vai toda essa água quando a maré baixar? Fazendo parceria com o sol ele é quase imbatível, às 18 horas então, ele se acha. 

Aí vem o homem, todo metido: quero navegar por essas águas. Sou tão imenso quanto ele, não aceito não fazer parte da paisagem. De barquinho em barquinho, agora temos navios. Com diversas finalidades, mas ainda cultuando a ideia original de domar esse mar. Flutua, flutua, mas uma hora quer porto seguro. Assim é o humano, que cansa de rotinas, ainda que precise delas. Querendo novidades, vai à museus, traça novas rotas, descobre o Brasil.

Navios cheios de pluralidade, uma engenhoca bonita, desafiadora. Ainda que com medo, desafia o mar. Lança uma âncora, finca raízes, por um tempo isso agora é minha casa. De muitas coisas que queria ser, âncora é uma delas. Ainda que vague por muitos portos, sempre finca em algum lugar. Ainda que prenda, um dia liberta.

Queria ser âncora, saber que pedras são passageiras e que a imensidão é eterna. Queria ser âncora e ter a tristeza de descer para a prisão, mas a certeza de que na subida haverá nova aventura, uma nova viagem, um novo porto. Afinal, ser âncora é aceitar prender-se, mas nunca no mesmo lugar. 

Trilha sonora: "Maresia (se eu fosse um marinheiro)" - Adriana Calcanhotto

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Eu não queria

Olhe ao redor, converse e veja como todo mundo quer alguma coisa. Um carro, beleza, notas, tudo se torna uma busca implacável para conseguir algo. Pare, pense, veja o contrário, o mundo também está cheio de "eu não queria". Eu não queria ter dito isso, eu não queria ter chorado, eu não queria ter "querido", são tantos "eu nãos" que fica até chato. 

Engraçada nossa tendência ao conflito, parece que tudo que possui vários lados nos excita, tá aí o porquê de um cubo mágico no entreter tanto. Se dois lados já bagunçam nossa cabeça, imagina seis. Pare, pense (repito isso porque são comandos difíceis para o ser humano), será que esse eu não queria é sincero? Agora parece cruel e errado, mas na hora foi o melhor a ser feito. 

Quantos sentimentos carregam um eu não queria? Frustrações, decepções, erros, bobagens, mas no fundo isso é bom. "Só me arrependo do que não fiz", acho essa frase tão bobinha e covarde, vai ver que você nunca jogou uma pedra na janela do vizinho e fica aí dando uma de inconsequente. 

Fico em dúvida do que é pior: uma vida cheia de eu não queria ou um Epitáfio do Titãs? Sei lá, pensando bem, pode ser a mesma coisa. "Eu não queria", a mais bela contradição do livre arbítrio. Tenho o direito de escolher, mas sempre faço o que me deixará um peso depois, talvez seja a necessidade de guardar uma marca, vai saber. Olha como as coisas são, o eu não queria já foi um eu quero. Desejos e humanos, uma combinação nem sempre saudável, às vezes até desastrosa. 

Eu não queria muitas coisas, situações e pessoas na minha vida, mas por enquanto prefiro querer. De vez em quando posso usar um eu não queria pra dizer: "eu não queria que fosse tão rápido". Sacolas cheias de culpas, desânimo e ódio, impedindo você de carregar sonhos, desejos e amor. Eu não queria que você deixasse de querer, afinal de que vive o homem? Desejos sacanas, quereres fantásticos, se quero, existo. Por isso quero, quero e quero, não necessariamente isso ou você.

Trilha Sonora: "Preciso Me Encontrar" - Cartola

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Meu eu morango

Alguns dias de ócio, mente vazia (em tese). Engraçado que a mente nunca vaga sem direção, sempre tem um ponto de fuga, um cais, um lugar onde ancorar. O ser humano nega, mas é tão influenciável. Uma música, uma foto, um cheiro (...) Tudo isso faz desnortear, perder o foco, mudar de humor. Somos tão sensíveis, feito morangos no nordeste. 

Esses mesmos morangos, petulantes na grandeza do vermelho, no tamanho, no sabor, mas que escondem a fragilidade de tanto cuidado para chegarem pelo menos a durar. Tanto cuidado pra tão cruel destino: serem comidos. Mas feliz é o morango, ainda que no triste fim é capaz de proporcionar prazer ao devorador. Com chocolates então, hmmmm, é uma delícia. Não ia falar de morangos, vejo agora que sou humana, perco o foco e sou influenciada, mas é por uma boa causa.

Paro em uma reflexão: quanto mais ansiosos somos por uma vida elétrica, alucinante e sem lei, mais nos escondemos do que existe lá no fundo e nos pede pra parar. Quanto mais ansiamos por multidões, lá dentro existe um desejo de singularidade ou quiçá uma solidão de dois. Onde há julgamentos, por vezes excessivos, de que o mundo está errado, muitas vezes é só o desejo de que tudo fosse como a gente quer.

Desejos, desejos, desejos, nada mais humano. Tão humano quanto sucumbi-los. Ainda há um segredo nessa máquina que nem mesmo sei o fio da meada. Uma espécie de "start" que aciona tudo aquilo que me faz viva, ansiosa e pulsante. Acho isso muito bom, talvez seja tão bom que nem mesmo o desejo saciado possa superar.

Agora lembrei-me dos morangos...e que humanos morangos. Existe algo mais humano que morangos? Não estão disponíveis todo tempo, são frágeis, mas com uma camada de agrotóxico se tornam terríveis. Essa mesma ainda abriga o que temos de melhor, mas para deliciar-se é preciso morrer um pouco.

Nossa, realmente somos morangos. Um dia tão caros e no outro não passamos de uma promoção (...)

Trilha sonora: "Porta-retrato" - Roberta Campos