quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Fazendo e desfazendo ideia da vida

Uma menina perdida vagava pela cidade. Já não sabia como andar, suas pernas apresentavam sinais de cansaço, o cérebro não obedecia mais. Lutava para não parar de pensar, pois era do clube que considerava o "não - pensar" uma espécie de morte. Os azulejos do banheiro ela sabia quantos eram. Já conhecia o rosto de um por um que voltava naquele horário, naquele ônibus, com aquela mesma fadiga. Faltava aulas por aventuras, por falta de entendimento e por boliche. Nunca fez um strike na vida, nem jogando aquela bola em manhãs solitárias.

Não conhecia a família. Por descuido, rotina ou comodidade. Sempre pensou que de alguma maneira, não precisamos regar e cultivar os laços de sangue. Estava enganada! Enganos eram sua especialidade. Enganada com o curso, enganando os pais e o namorado, se enganando. Por algum motivo, a música de Cazuza ecoava na sua cabeça: "A dor no fundo esconde uma pontinha de prazer". Era seu ringtone! 

Encontrou um par, mas não eram exatamente dois. Ele, uma espécie de terapeuta. Ela, uma doidinha inebriante. Deu pano pra manga. Conversas banais, empíricas, construções. O mundo parou no primeiro beijo. Pra ela, "pode ser" era sempre a melhor resposta. Não machucava, não frustrava. Mas sempre alimentava um ego, que nunca era o seu. Enfim, descobriu tesão em algo que fazia, não era boa o suficiente, mas patinar era um motivo pra sair da cama.

O amor talvez não fosse o patins, mas a descoberta de que é possível equilibrar-se sobre suas dúvidas e medos. Cair é inevitável, seja na rampa ou na pista do shopping. Patinou só, patinou junto. Junto com aquele par, que não é dois. Colocaram uma música, deram as mãos. Não pense que o final foi feliz ou que foi de novela. Não teve "eu te amo", mas foi um fim de prazer.

Prazer em vestir-se de turista para passear em lugar que já conhecemos. Despir os olhos viciados para enxergar algo tão óbvio que estava escondido. Prazer na dor, como diria Cazuza. Mas também, prazer em ser estrada pra quem está perdido e vê que isso não é submissão. 

É do ser humano o papel de perder-se, mas achar-se também é dele. Em mim, em ti. Juntos. Não façamos ideia do que estamos fazendo da vida. FAÇA VIDA, que se divide em duas sílabas. E por isso não pode ser só. 

Trilha sonora: Gente, assistam o filme da Clarice. 
"Eu não faço a menor ideia do que eu tô fazendo da minha vida". [Trailer do Filme]
E apreciem a trilha indie linda do filme!

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Bastar-se

Não ser bom o bastante. Parece um medo besta e secundarista, mas existe pra muita gente. Medo de falar muita bobagem, de não ter rosto harmonioso. Medo de não empolgar. Ser magoado pelos outros "é mole, é fácil, é lindo", mas quando quem ocupa o trono somos nós mesmos, a coisa fica mais séria. "Posso ser quem eu quiser", isso é fato. Mas também é angústia. 

Ser, não ser, pseudo ser. Coexistindo e digladiando dentro do mesmo coração. Desconfio que, quando não conseguimos ser dois, três ou quatro, é porque ainda não conseguimos ser um. Ser um inteiro, completo, que consegue sair sozinho sem mobilizar uma excursão. Ser um resolvido, que decide sair de trapos, sem medo de represálias e piadinhas que beliscam. Ser um. Um sorriso no espelho, que alegra a própria vida e passa longe do narcisismo. Mas que tem a cara do amor próprio. 

Quando descubro que sou bom o bastante pra mim, alguém sempre nota. Não por obrigação ou apelo, mas é que o autocontentamento exala, tipo cheiro de rosa. Perfume inebriante. Doce, sem tornar-se enjoativo. Bastar-se é como habitar em "As rosas não falam" de Cartola, roubando o perfume das rosas e espalhando-os por aí. Não é egoísmo, muito menos utopia, esse negócio de autoamor. Bobo é quem pensa que pode dividir o que não tem. 

Trilha sonora: "Contra o tempo" - Rita Ribeiro
"O que sou, onde vou, tudo em vão"

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

O nunca e um monte de coisas



Nunca saberemos o que é pelo simples fato de nem ser.

Nunca poderemos julgar, pelo simples fato de não ter vivido.

Nunca poderemos prevê, pelo simples fato do impossível.

Nunca será todo, por se tratar de metades.

Nunca dirá toda a verdade, pelo mal me disse de toda a língua.

Nunca “eu”, pela existência de tantas.

Nunca inocente, pelos anos e ternura que se passaram.

Nunca, nunca, nunca (...) Terra habitada por ela e por outros.

Terra pouco fértil, apesar do nome.

Pouco arborizada, por falta de tempo.

Mais capim e menos frutos.

A grama é marcada, onde faz travesseiro.

Garrafas jogadas e copos sujos.

Terra do nunca. Nunca adentre.

Aqui é sufocante, mal me cabe.

Cuidado com a cabeça, esse é o esconderijo.

Perturbador, apertado e meu.

Nunca mostrei pra ninguém. Até descobri que ninguém também tem nome.

Nunca imaginei. Não deveria.


O ditado nunca erra. “Nunca diga nunca”.

Trilha sonora: "Que não deveria se chamar amor" - Moska
"Poderia se chamar labirinto, pois sinto que não conseguirei escapar"

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Coisa de quase segunda



Invenções humanas
Pequenos consolos
Risca o fósforo
Faz o fogo

Luz de velas
Desajeitada
Tantas lâmpadas
Não sou mais star

Tudo novo
Asfaltado
Nó na garganta
Fiquei sem ar

Meu futuro
Minha vida
Grupos?
De uma só pessoa

Passear no parque?
10 reais
Fui roubado
Voltei pra casa

Campainha
Guarita ou porta?
Entrei
Mais do mesmo.

Trilha sonora: "A Lista" - Oswaldo Montenegro