quarta-feira, 10 de setembro de 2014

O dia que desci antes da parada

Tem dias que começam cansados. É a soneca esticada que apita e ensurdece o quarto todo com o barulho da responsabilidade. São os raios de sol que entram pela porta em um das mais velhas estratégias das mães, que é acender a lâmpada bem na sua cara. Alguns vão dizer: nossa, ainda precisa de mãe pra acordar? Digo-lhes: os gritos maternos são mais eficientes e acolhedores que bipes de smartphones. E sim, é uma visão romântica. 

Tem dias que ônibus está cheio demais, mas a lotação é a mesma de sempre. Tem dias que não é suportável a falta de educação e/ou gentileza das pessoas em pegar sua mochila. Tem hora que não dá pra aguentar as pessoas que insistem em se esfregar de forma abusiva nas suas costas, leia-se bunda. Enfim, tem dias que não dá. Era pra ser aquele feriado que você teria abertura de escolher um dia no mês para simplesmente mandar um sms pro chefe com a seguinte redação: hoje é meu feriado, pelo simples motivo de “não sou obrigada”. 

São dias fuzilantes em que a ruga não sai da testa. Em que o “bom dia” soa mais falso que nos outros dias e que o calor dobra na cidade litorânea. Muitos irão dizer: mais um depoimento rabugento de quem não sabe viver a vida. “Viver a vida”, se fosse a novela de Manoel Carlos seria tão bom. Leblon, café na praia e cafezinho na livraria. Tão bom não conhecer os dilemas das pessoas além do simples fato de “com qual dos gêmeos ficar”. A inquietude de viver dias como esse traz um pouco de lucidez maluca. Atrasada, bolsa pesada, calor. Vou descer da budega desse ônibus. E o atraso? Só vai alongar. Bom para os músculos.

Desci. Agora vou escutar minhas músicas mais agressivas, vou focar naquele cheiro de mar que encontro todo dia naquele ponto, no cafezinho da tia e na água gelada do bebedouro. Olha, tem coisa boa depois daqui. Às vezes é preciso ter coragem de descer da condução, deixar de ser sardinha, corrimão de escada. Depois de fantasiar vários desaforos que eu iria falar hoje, eu me renovo. Porque sei que nenhum deles valeria à pena e me marcariam de forma ruim e agressiva. Simplesmente desci e deixei a vida continuar naquela lotação. Porque muitas vezes o esforço imenso que empreendemos para nos sentir parte de um mundo não corresponde à grandeza de mundos que temos em nós. Desça antes do ponto. Não perdemos por esperar.

Próximo. 

Trilha sonora: "Último pôr-do-sol" - Lenine
"Eu fiquei sentindo saudades do que não foi". 

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